segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Caçadora de histórias

Sou uma observadora de pessoas. Talvez por gostar tanto delas e ser apaixonada pelo modo como a Humanidade é tão diferente e ao mesmo tempo toda tão igual, passo boa parte da minha vida a perscrutar os rostos de quem passa tentando ler neles histórias de vida. O meu "terreno de caça" ideal sempre foram os transportes públicos que utilizo várias vezes ao dia. Sempre me fascinou aquele microcosmos temporário no qual vários estranhos ficam retidos no mesmo espaço, condenados à breve companhia uns dos outros. Por isso, há muito que tenho vindo a tentar deixar de lado o telemóvel (nem sempre conseguindo) e limitar me a aproveitar as viagens para me deleitar na contemplação dos outros. Mas resulta. E às vezes resulta tão bem que a parede de vidro que separa a observadora do observado se quebra e as pessoas me permitem entrar um pouco nas suas vidas. Estas são as suas histórias, que fazem o meu mundo um pouco melhor. "Há já algum tempo que conheço a D. Irene. Pode ter esse nome, ou outro qualquer, um dia pergunto-lhe, moramos na mesma zona e cruzámos-nos muitas vezes. Já teve um enfarte e outros problemas cardíacos que a fazem ter os pés inchados e cansar-se facilmente. O filho não gosta que sai sozinha e preocupa-se muito, mas ela não se dá em casa, gosta de andar de um lado para o outro. De volta e meia, o rapaz telefona-lhe para saber onde anda. Outras vezes é ela mesma que dá notícias. Mas não sabe usar a agenda do telemóvel, tem o numero do filho num papel branco colado com fita cola nas costas da bateria. É o único para quem liga. D. Irene fala de mais, diz a toda a gente onde fica a sua casa e que mora sozinha e um dia a propósito de querer comprar uma carteira nova chegou mesmo a mostrar me a dela, carregada de cartões de multibanco. Assustei-me ao ponto de falar. Raramente interfiro com o que me dizem, só emano murmúrios de concordância. "veja lá, não mostre isso a toda a gente!". Mas D. Irene não fez caso, gosta de conversar. Sempre que a vejo sorrio, e ela sorri me de volta e sinto aquele pequeno aperto no peito, de receio onde as suas conversas a possam levar" " Foi no natal passado que conheci a D.São. Também não sei o nome dela. Estava arreliada porque o autocarro se cruzou e tinha a mãe, doente de alzheimer sozinha em casa à espera. Contou me que ela e a irmã tomavam conta da senhora em dias alternados, com a ajuda de um apoio domiciliário para a higiene. Mas de noite a mãe ainda ficava sozinha. Não sabia por quanto tempo mais pois ainda num outero dia qualquer, fora alertada pela vizinha de que a senhora se pusera a ver televisão e a comer bolachas de madrugada, por já não ter noção das horas. Também tentara corrê-la um pouco de casa para tratar das limpezas, pedindo lhe que fosse ao café mas a mãe ficara sentada na entrada do prédio porque entretanto se esqueceu onde ia....Estava preocupada com a consoada, tinha de tratar de tudo e ainda prtreparar a mãe e levá-la para a sua própria casa. É outra vez natal, como estará D.São.?" " Aqui há dias cruzei me com a D. Adelaide. Tinha vindo visitar uma neta ao Porto que lhe deram um bonito ramo de flores. Ia apanhar a camioneta para Viana mas mal podia com o saco da roupa. Falou me da vida da neta, com quem gostava de conversar mesmo até ao momento em que esta tivera de deixar o autocarro numa paragem anterior. Ajudei-a a tirar o saco e a sair e para me agradecer, quis me dar um beijinho. Achei tão bonito que não pude deixar de partilhar com a minha mãe e acabei por lhe ligar." "Hoje conheci o Sr. Toni. Este nome sei que é o seu. É o único. Conhecemo-nos a propósito da atitude muito pouco cívica de um condutor que encostou à paragem e ali ficou uns bons 10 min se se preocupar com os outros carros que tinham de entrar em transgressão, atravessando a linha contínua para o contornar. Sr. Toni estava muito irritado, porque apesar de não conduzir há 15 anos fora toda a vida motorista de pesados. Trabalhava numa armazém de mercearias na baixa e um dia quando se sentiu demasiado cansado pediu um aumento. Não lho deram e demitiu-se mas não sem antes levar com ele um dos sócios da empresa que não aceitou a forma como o melhor dos seus trabalhadores estava a ser tratado " o único que chegava sempre com a camioneta vazia no fim do dia". Saiu duas paragens antes de mim e bateu no vidro para me acenar efusivamente. Gostei de o ter conhecido"

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